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A morte de Agatângela

Aquela garotinha da última casa da rua acordara com um humor ácido. Não desejava conversa com seu pai, porquanto havia dormido com as lamentáveis cenas de mais um de seus entreveros conjugais. As brigas entre seus pais eram um ritual do convívio, quando perene deveriam ser um viver lúdico, alegre, de modo que lhe bastassem as preocupações com o “ladrão verde” de seu imaginário, sempre prestes a invadir sua casa no silêncio da noite.

Não imaginaria que seu Pai, um homem intrépido, que abria coco com um soco, pudesse temer qualquer ser menor do que ele! Que decepção! Essa cena mantém-se maiúscula na memória: a daquele homenzarrão saltando como canguru na busca de desvencilhar-se de um dos sapatos recém-calçados, eis que uma rã, das tantas habitantes daquelas cercanias ali se aconchegara, quiçá atraída pelo cheirinho de chulé. O fato é que a garotinha gargalhara tanto que fizera as pazes com a alegria.  Foi um modo hilário de descobrir que o “Homem de Ferro” tinha medo, pavor, ojeriza, aos batráquios.

Um desses animaizinhos fora-lhe, contudo, de estimação – não se sabe por que distingui-lo dos demais. Residia ele, ou melhor, ela, a Agatângela, num dos vértices do pequeno banheiro e, todos os dias, invariavelmente, naquela atitude peculiar dos batráquios de inflar e desinflar a boca, fixava-lhe o olhar como se estivesse a declarar a sua admiração e incondicional amor por aquele “monstro peludo”.  Esse amor era recíproco, a ponto de provocar ciúmes na mãe da garotinha, já atravessada pela pouca atenção que julgava receber de seu pai. Era Agatângela para cá! Agatângela para lá! A minha amiga e companheira Agatângela.

Certo dia, o fluxo do chuveiro cessara e um grito fizera-se ecoar até o quarteirão seguinte: mulher, onde está minha Agatângela? Bradara o Pai da menininha. E eu lá sei dessa rã horrorosa, respondera em tom de desdém a mãe da meninha. O luto instalou-se em seu pobre Pai!

O mistério do desaparecimento de Agatângela resistira por muitos anos, até que um dia, a mãe da garotinha segredou-lhe que vertera uma panela de água quente na indefesa rãzinha, que se mantém como lenda mesmo na memória dos membros mais novos da família. Durma em paz, Agatângela!


Simone Moura e Mendes

 

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
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