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O meirinho poeta

Fiel escudeiro do magistrado daquele bucólico rincão banhado pelo “Velho Chico”. Por sua grande compleição, de meirinho não queria ser chamado. Oficial de justiça seria mais apropriado, mais consentâneo com o seu porte de homenzarrão investido da simbólica espada da justiça preparada para ser desembainhada, não lhe quisessem dar atenção.

 “Como é que é, meu algoz grandão, você pretende mesmo minhas terras penhorar?” Com a voz temendo fugidia, retrucara: “ não sou eu quem o quer, meu camarada, só estou aqui, sob o império da lei, para cumprir uma ordem judicial; vossa senhoria vai até a Vara e comprova o pagamento da execução e de suas terras volta a fruir, deixando a condição de executado”. “Afinal, meu algoz, esse juiz usa toga ou abadá?”. Oficial de Justiça ou meirinho, nem a cabeça deveria menear, a fim de não dar margem a falsas interpretações; optara, então, por concordar com desconjuntadas acusações, em virtude de lograr suas poesias continuar a recitar.

Num outro longínquo rincão de sua jurisdição, em que nele somente chegara à custa de perguntar “onde fica” ali e acolá, pois que nenhuma placa lhe havia a indicar. Um município que não chamaria sequer de povoado, pois nele havia uma única rua de barro terminada numa praça rodeada pela igreja, delegacia, prefeitura, mercearia e funerária. Ali, sentado num resto de banco, à sombra de uma amendoeira, arriava-se um homem barbado com a camisa fechada apenas por um botão, decerto para não aprisionar sua grande pança. Relaxava com um palito de dente na boca, que lhe extraía os resíduos incômodos da carne de bode servida na refeição. “Boa tarde, senhor! Gostaria de encontrar o prefeito da cidade”. “Se o procura com boas propostas políticas, é esse quem vos fala; caso contrário pode dar o fora, pois estou do almoço a descansar”. “Sou oficial de justiça”, impávido respondera. “Ah, desculpe-me o mau jeito. É só atravessar a rua, entrar naquele prédio azul, e citar o procurador”.         

Não, não convinha, contudo, saberem os citados que, a despeito de navegar seu veículo por distantes caminhos hostis e lugares inóspitos, a fim de cumprir sua temerária missão, transita com poesias a dormitarem em seu coração; que na verdade, não dispunha de couraça, capacete ou adarga. Mas tão-somente de versos e rimas prontos para formar estrofes, ao longo de seu regresso pela trilha do mar, que serão debulhadas aos colegas de instituição - os servidores burocráticos, protegidos pelos birôs, na oportunidade em que a conta dos mandados cumpridos fosse prestar. Senão versos a recitar, jocosas histórias ele traria na cartola, recolhidas de suas idas e vindas, de porta em porta, de porteira em porteira, com uma diligência à mão, quase sempre trocada por ameaças, impropérios, ou, no mínimo, um olhar de insatisfação.

Simone Moura e Mendes

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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