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Aniversário(?) e/ou “dia do fico”

Duas grandes datas para grandes comemorações: o aniversário (?) e o “dia do fico”. Veja-se.

Quando assumiu a direção da secretaria daquela distante unidade jurisdicional, paulatinamente, foi assenhoreando-se das peculiaridades mais intestinas do local; mormente, por se tratar de sua primeira experiência de trabalho no interior. A equipe estava formada: uns já bem enraizados, chamados, carinhosamente, de “jurássicos”; outros, um pouco mais neófitos.  Seria de bom alvitre sentir-se parte dela, da pretendida monolítica equipe; conquistar a confiança dos novos parceiros de jornada e fazer com que eles se preocupassem com sua sorte. Seu temperamento amistoso e flexível, indubitavelmente, seria propulsor do sucesso nas relações interpessoais. É pacífico, aliás, que, por onde exerça seus misteres, defende a internalizada tese de que o material humano deve ser regado, com cuidado, para fertilizar o solo, fazendo frutificar a paixão no fazer acontecer profissional. Ali, pelo que auscultou nos primeiros contatos, seria fácil.

De uma colega, logo se fez amiga. Conhecia seus predicados por outros de sua relação familiar. Naturalmente, passou a ser sua companheira, conquanto cada qual em sua sala, nos adentrares das noites no “claustro” do trabalho, nas rotinas do autuar, juntar, oficiar, certificar, despachar... A dividir o quarto e fazê-lo humanizado; igualmente, as horas de almoço e jantar, as investidas em instituições beneficentes do local, o trajeto nas idas e vindas semanais, serpenteando as curvas no entrecortar dos coqueirais. Sabia, todavia, que a amiga almejava uma rápida remoção para Maceió. Inevitável, então, conviver com a iminente perda da convivência com aquela eminente pessoa, servidora pública devotada e tudo o mais.

Não obstante estivesse lá, afixado na parede contígua ao seu bureau, para onde poderia olhar e enxergar, sempre que levantasse a vista, uma relação com nome, contatos, e-mails, data de aniversário etc., de todos os servidores, não por desídia, não porque existisse hierarquia entre os colegas em seu coração e razão, mas por haver esquecido, em determinadas ocasiões, de cumprimentar alguns em sua data natalícia. Com a da amiga, porém, esteve mais alerta. Talvez, pela brevidade do tempo, que já não podia contar em mês, sequer em dias, mas as horas, em que estaria desfrutando de seu convívio.

Estava lá grafado: 21 de março. O calendário acusava quarta-feira. Na segunda anterior, oportunidade em que se encontraram num evento cultural da capital, obteve dela a notícia de que havia formalizado a desistência de remoção imediata para um interior mais próximo de seu objetivo. Esperaria um pouso, eis que, na verdade, sua intenção era trocar os ares do “Velho Chico” pela brisa da Praia da Avenida. Não houve como esconder o rubor de alegria... Uma interjeição era “sine qua non” para anteceder o abraço apertado: “Graças a Deeeeussss, menina!!! Você fez a coisa certa. O seu dia vai chegar!”

O 21 de março, data natalícia (?), cumulado com a do “fico” deveria ser confraternizado, enfaticamente, compartilhadamente, com todos os demais. Vários já eram os burburinhos em torno de tal no ambiente de trabalho – como é? Como vai ser...?

Na noite anterior, sucumbida pelo cansaço da viagem e pelo dia de trabalho extenuante, recolhera-se aos aposentos, no andar de cima, mais cedo – mais cedo? Assim pretendia que fosse. O relógio indicava alguns minutos para meia-noite. O bolo de chocolate, previamente encomendado, comporia a mesa do café da manhã... – pensava, enquanto subia os degraus da escada. Bem, mas nos primeiros minutos de seu aniversário, no momento em que se deitasse, a festejada amiga deparar-se-ia com o pacote de presente embaixo de seu lençol.

“Trim, trim...”. O infalível celular a despertara. Era o dia da surpresa: foi surpreendida. “Mas, mas, que presente é esse?” E que pergunta é essa – pensara. Estaria mesmo desperta? “Você está pensando que meu aniversário é hoje? Ah, foi por isso que o doutor juiz me perguntou, ontem, se amanhã era meu aniversário e, como neguei, ele deu o exemplo das mentiras perpetradas na sala de audiência...!!!! Estava insinuando que eu mentia sobre meu próprio aniversário?! Eu mesma não tenho trauma com aniversário... Blababá, blababá...”. “Meu aniversário é 21 de maio, e não de 21 de março. Rrsrsrsrsrsrsr... As duas tomavam fôlego, kkkkkkkk e, rsrsrsrsr.

Enquanto isso, à mesa do café, todos em torno do bolo; de onde, ao longe, se ouvia cochichos e risos tímidos. O infortunado informante, o responsável por confeccionar a relação de servidores, por sua vez, pendia a cabeça para baixo. Em estado de franca tensão, notadamente ruborizado, relaxou ao entender que seu equívoco se revertera na piada do dia. Muitos risos espocaram naquele ambiente.

Os esquecidos aniversariantes das datas pretéritas, inclusive ele, receberam as palmas dos “parabéns a vocês”, e, a despeito de aquela que seria a estrela da festa haver-se negado a comemorar a data de seu nascimento com dois meses de antecedência, passou o dia a receber “parabéns”, tanto dos que não sabiam do imbróglio, quanto daqueles que não sabiam e nem queriam perder a “viagem”, nem a piada...! Senão aniversário, aquele foi mesmo o “dia do seu fico”... E, “parabéns a você...” A data ficou querida de qualquer forma, amiga!

 

Simone Moura e Mendes

www.simonemouramendes.com

 (Publicada em O Jornal, edição de 27/03/2012)

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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