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Meu caro Ricardo, Admiro sua coragem para fazer uma crítica tão pertinente ao romance do Lincoln. Você fez uma leitura apurada, resultando numa análise que mobiliza os leitores. Tenho uma edição cheia de anotações porque já li o romance incontáveis vezes. Trata-se de um painel astuciosamente composto de fragmentos de uma realidade que espelha o cotidiano e, por incrível que pareça, o fantástico dela, como diria Jorge Luis Borges. Neste ponto, seu acerto é parcial. A primeira observação que faço é quanto à sua inferência acerca do Dr. Cavanaugh, que de fato é um agente do capitalismo e da globalização, bem como das moções ideológicas que os acompanha, principalmente do progressismo material, unilateralmente aprovado pelos países industrializados e armados até os dentes. Mas Dough McPherson é um caipira classe média, um filho família, agente de papai e mamãe, que vem ver se as filiais de suas empresas vão bem. Refere o modelo d' "O Americano Tranquilo" do Graham Greene. Esse Rapaz não quer estar em Maceió e prefere fazer de conta que está num passeio turístico, mas não podemos eximi-lo de ser também um agente do "mal", mesmo se sujeitando, com sua estupidez, aos acidentes que podem ocorrer com quem está numa terra estranha. Você leu "O Americano Tranquilo"? Se não, vale a pena ler. O que se segue ao episódio em que os dois figuram, o doutor e Dough, é uma dissertação acerca da solidariedade, que desconstrói a hipocrisia da "ajuda externa" aos países em desenvolvimento. E Dough dá de presente ao jornalista uma garrafa de uísque tipo Bourbon, uma metáfora da alienação, porque embriaga, embebeda. Fica o registro das duas possibilidades de dominação que até evoca a antiga "Aliança para o Progresso". Não é de meu tempo, mas eu conheço a História. É de seu tempo? Aliás você deu pouca importância, em sua leitura, às dissertações que fecham cada seção do "Labirinto". Outra coisa, meu amigo: o modelo sartreano não perpassa como "modelo" nem como referência no romance, inclusive por sua narrativa descontínua, visivelmente machadiana à exaustão. Eis o "modelo"! Se você procurar a lista de livros que são "ostensiva" ou ocultamente citados no romance, Sartre não está lá. Existe uma referência a Simone de Beauvoir, à página 25, especificamente ao seu romance "Os Mandarins", num dos fragmentos, especificando a estupidez do maniqueísmo: por que o mal deve ser punido se o bem carece de recompensa? (Isso evoca também a Hannah Arendt, e citada bem adiante, com a referência à banalidade do mal). É o fragmento que introduz o investigador Patrício e que convida a pensar numa espécie de "hegemonia" perversa na "sociedade alagoana", onde a impunidade e a violência são regra em todas as esferas. A alusão ao "resto de tinta" da caneta com que Sartre escreveu a "Critique de la Raison Dialectique" é cinematográfica, sugerida pelo filme "Priscilla, a Rainha do Deserto", em que a personagem de Guy Pearce, um fanático pela Abba, conta que foi a uma apresentação da banda e ficou tocaiando um de seus componentes que vai ao sanitário. Quando o camarada saiu, ele entrou e conseguiu pegar uma amostra do cocô dele que não desceu pela descarga e leva para guardar num pote de vidro com formol. É o pote de vidro com formol que ele exibe, achando-se o máximo. O aporte teórico de toda a narrativa do "Labirinto" está n"A Teoria da Ação Comunicativa" do Jürgen Habermas. Nada de "Intelectual universal", mas tudo do universo intelectual do autor do "Labirinto" que, infelizmente, pouquíssimos abarcam. E todas as referências só são de fato possíveis de identificação se se percorre o itinerário da criação do romance, excessivamente bem amarrado em suas pretensões e intenções. O roteiro mais prático para sua compreensão está na "bibliografia" situada no fim. Um simples comentário ou artigo não o abarca: é preciso um longo ensaio. O "anti-alagoanismo cult" não é bem uma temática a ser considerada no romance, mas uma via de percepção que sua leitura percorre - sua leitura, Ricardo Maia. Todavia deve ser considerada uma mentalidade que o romance aborda e destitui, mostrando sua virulência. E quanto a "figuras e produtos do campo artístico alagoano", você deve rever o episódio de Miranda, Alice e Rafael bem como o de Raymond, Lena e Mauro que são bastante sugestivos. E escapam a quaisquer imputações forçadas de sentido. Alguns outros episódios que lhe ajudariam a fechar sua análise lhe escaparam, você parece tê-los saltado em seu percurso de leitura, privilegiando recortes. Vale uma releitura para um fechamento mais proveitoso e pertinente. Você percebeu bem a "onipresença" da autoria na narração e deveria também ter percebido que o fio a percorrer da entrada à saída do labirinto é o de Ariadne, porque é excêntrico, porque se tem de estar fora, panopticamente posicionado. O labirinto é dedálico, como você percebeu bem, e Dédalo escapou dele voando, podendo vê-lo de cima, como sua criação mais apurada. Não aconteceu o mesmo com Ícaro, que ficou fascinado e se aproximou demais do sol. Não há eurocentrismo no romance, e você se contradiz quanto a isso quando distingue também um narrador multiculturalista. Não há nenhum centrismo na perspectiva do romance, a não ser o da onipresença do narrador. Ah!, em tempo: as maiúsculas que o autor usa no romance, se você observar bem, são marcadores que indicam o início de seções ou capítulos do livro e não possuem nenhuma outra função que não essas e não têm a função de relevar ou assinalar nenhuma expressão. Apesar de tudo, sua análise está soberba. Mas não estaria um tanto autorreferente? Um grande abraço.

 
 

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Loki Asgard ESCRITO POR Loki Asgard Leitor

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