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CAPÍTULO 1: O Vigésimo Oitavo Dia

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Eu não sou muito indicado quando o assunto é relacionamento. Sou o cara mais egoísta do mundo, e talvez o mais babaca dependendo do seu ponto de vista. Talvez por isso eu mereça tudo que eu esteja passando, todo o sofrimento. Há alguns meses jurei não me apaixonar pela garota mais cobiçada da minha sala. Não funcionou. Apaixonei-me tão rápido quanto ela me deixou. Talvez eu mereça tudo isto. Sempre fui um babaca com todos aqueles que algum dia chegaram perto o bastante para que eu pudesse causar algum dano a eles. Principalmente meus antigos amores. Talvez não fossem amores, pra ser honesto. Mas essa… Essa garota me teve na mão fácil demais. Ela tinha meus pensamentos por inteiro, era quase como se ela pudesse ler a minha mente. Não digo que ela fosse minha alma gêmea, não acredito neste tipo de porcaria, mas, se algum dia viesse a acreditar nisso, pode apostar que ela seria. Tudo nela era um convite pra mim, desde o seu sorriso, sua boca, seus cabelos. Mas o que de fato me encantava, era como eu podia ser ‘eu’ diante dela. Éramos uma ilha no meio de tantos babacas que dividiam a sala conosco. Acho que isso me fez se apegar ainda mais a ela, o fato dela ser exatamente como eu.

Ela me deixou, e eu te confesso meu parceiro, não creio que algum dia eu já tenha estado tão acabado como fiquei nos dias em que me dei conta de que nunca mais a teria de novo. Eu a amava, desses tipos de amor que se escrevem, como faço agora, era um amor que foderia com qualquer estrutura psicológica, física e qualquer outra que você possa imaginar. Eu não conseguia raciocinar, viver, ou qualquer outra coisa que os humanos fazem quando se sentem bem consigo mesmo. Eu somente conseguia pensar no quão lindo era o sorriso dela quando estávamos na cama, em como aquele cabelo dourado reluzia quando ela caminhava sob o sol, e como era macia a pele dela quando se encontrava com a minha. Parece clichê não? Talvez seja, e eu não me importo. Só que eu e ela juntos, não era algo que se possa descrever, ou escrever, era como se trouxemos o melhor e pior de ambos de uma só vez, e não ligávamos para as consequências disso. Ela me chamava de filho da puta quando eu a beijava de repente, e acredita em mim, não há nada melhor do que ser chamado assim pelas razoes certas. Passou o primeiro, o segundo, o terceiro dia, e assim sucessivamente. Eu era orgulhoso demais para correr atrás dela, não me permitiria humilhar para tê-la de volta. Eu era um filho da puta, e sabia disso. Talvez por isso as pessoas se decepcionassem tanto comigo, elas tinham uma expectativa maior do que aquilo que eu podia oferecer.

Veio o vigésimo oitavo dia. Prestem atenção no que te digo agora meus amigos, lembra quando te dizem que as melhores coisas vêm até você quando você não espera? Parece bobagem quando se escuta, parece frase de livro de autoajuda, mas na pratica, é exatamente o que acontece. Eu estava acabado, a barba por fazer, fedia a cigarro e café, e me dirigi para aquele puteiro que chamavam de faculdade. Coloquei meus fones e topei o volume para não ter que ouvir as merdas que conversavam durante o caminho. Tentava disfarçar minhas olheiras com óculos escuros, o que era bem inútil e patético. Usava um casaco que talvez fosse grande demais para mim, mas eu não ligava. Para falar a verdade eu gostava daquele casaco, pois ele me deixava com cara de chato e que não gostava de conversar, o que era bom, já que o que eu queria era afastar qualquer um que tentasse contato. E ai, bom, ai foi quando a magica ocorreu, tudo numa fração de segundo, como numa cena de novela brega, ela tropeçou em mim, e derrubou tudo que carregava junto. Se você acha que ela me pediu desculpas, você tá muito enganado. Chamou-me de pateta e perguntou se eu era cego. Eu não conseguia parar de observa-la, ela era linda, além do fato que era gostosa. Desculpem, é a verdade. Era pouco mais baixa do que eu, o que seria considerado alto para uma garota. Tinha os cabelos ruivos, vermelhos, naturais. E o sorriso, bem, eu não sei como descrever aquela boca e aqueles dentes que se alinhavam de forma tão perfeita que pareciam ter sido esculpidos cuidadosamente por algum arista da renascença. Por ultimo, ah, por ultimo o mais importante, o olhar. Olhos cinza, tão cinza como nuvens carregadas. Ela tinha um mistério naqueles olhos, um mistério que mal sabia eu, deixaria que me consumisse inteiro e fizesse superar algo que eu pensei que jamais poderia. Ela me encarava de cima até embaixo, era quase como se ela me lesse inteiro com aqueles olhos. Confia em mim, nada é tão mais atrativo como um olhar certo. Aquele olhar que te congela por inteiro, e que você não consegue fazer mais nada, a não ser olhar de volta. Era assim que eu me sentia. E eu gostei de me sentir assim. Essa garota, ela me tirava da zona de conforto, sem nem mesmo me conhecer. Poucas pessoas tinham esse poder sobre mim. Pra ser sincero somente uma pessoa tinha. E agora… Bem agora, eu estava desarmado e sem palavras diante daquilo. Dela. Demorei alguns segundos para que pudesse retrucar o ataque dela:

-Se miopia for cegueira, olha, até que sou.

Ela também foi pega de surpresa. Eu tinha sido irônico e ate de certa forma engraçado. O que porra tava acontecendo comigo? Ela recolheu as coisas dela do chão e voltou a conversar comigo, agora parecia estar mais calma.

-Desculpa, eu que tô errada, não vi que você tava no meio do caminho e bem… Não são nem oito horas da manhã e já tô estressada.

-Dia difícil?

-Mais ou menos isso.

-Posso te ajudar de alguma forma? Olha que de dias difíceis eu entendo bem.

Ela deu uma risada, era outra pessoa agora, parecia mais confortável. Que tipo de pessoa se sente confortável perto de mim? E QUEM ERA EU AGORA?

Ela voltou a responder:

-Agradeço, mas acredito que você tenha muito mais o que fazer do que gastar seu tempo comigo.

-Olha tempo não me falta, e se me faltasse, pra ser sincero, eu gostaria de gastar um pouco mais contigo.

Ela sorriu. Ponto pra mim.

-Isso seria um encontro?

-Eu adoraria que fosse. Posso te pagar um café e você me conta um pouco sobre seu drama diário.

Ela riu de novo. Cara, eu tava ficando bom nisso.

-Do jeito que as coisas estão não acredito que você possa piorar meu dia. Então, por que não?

-Funciona pra mim desse jeito.

Eu não era o rei do flerte. Longe disso. Mas ela? Ela não flertava, ela dançava, ela se sentia segura, e com isso eu acabei ficando seguro também. Isso é raro. Muito raro.

Eu sentia uma sensação boa enquanto caminhava ao lado dela até a cafeteria, e ela me falava sobre quem ela era e o que ela fazia. Era como se ela cantasse. Ou melhor, me encantasse. Cada palavra que saia daquela boca me fascinava, parecia que as palavras eram colocadas cuidadosamente em cada sentença. Cada sentença perfeita. Vinte e oito dias. Esse foi o tempo que levou para que eu começasse a juntar os pedaços que restavam de mim. E vai por mim, nunca foi tão bom se construir de novo.

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Joao Padilha ESCRITO POR Joao Padilha Escritor
Maceió - AL

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