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E no hortifrúti...

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À tarde, de saída pra padaria, minha mãe pediu que eu lhe trouxesse um quilo de aipim. Por estar mais próximo, no caminho de ida, parei no hortifrúti primeiro, logo em frente; desci do carro, atravessei a rua e, na calçada, colada na parede do lado de fora da loja, dei de cara com uma banca cheia de raízes tuberosas. Aproximei-me e apanhei uma já partida, reparei que o miolo interno era bem branquinho; sem eu saber o que observar para me certificar que era de boa qualidade olhei ao redor procurando alguém que pudesse me auxiliar. Vi um funcionário varrendo o chão próximo à entrada pelo lado de dentro, ele percebeu a minha hesitação e perguntou se podia ajudar, disse-lhe então: - Você conhece aipim, sabe escolher?

Ele respondeu:

- Sim. Eu trabalhei na roça por muito tempo, conheço bem. Todo este que o senhor vê na banca está macio. Mais cedo, uma freguesa levou um quilo, cozinhou tudo, ficou tão feliz com a qualidade do produto que fez questão de nos trazer uma porção para a gente experimentar. Estava realmente maravilhoso, pode acreditar.

- Eu acredito! E notei que você é cheio de conversa. Só faltou me dizer como eu descubro se este aqui também está bom e macio, você consegue me ensinar?

Ele desapareceu por um instante e retornou com uma faca, pegou o pedaço em minhas mãos e numa atitude de professor em sala de aula começou a descascar e a falar: - Observe, o senhor percebe que a casca solta fácil, sem a menor dificuldade? Se estiver deste jeito, pode comprar que não se arrependerá.

- Tudo bem, agora eu aprendi. Separa um quilo para eu levar, por favor. E fiz este comentário: Tá vendo só, esse é o perigo de se recorrer ao vendedor, a gente rapidamente sai convencido.

Sem mais, ele me entregou a sacola, acompanhou-me até o caixa e retrucou o meu comentário falando assim:

- Tá, daqui para frente o senhor já saberá escolher sozinho, pelo menos.

Eu agradeci e o cara se afastou. Enquanto caminhava para uma banca de cenouras, a moça no caixa, que ouviu a sua observação, por duas vezes fez bico com a boca, franziu as sobrancelhas e elevou a cabeça, tudo ao mesmo tempo, num movimento rápido referindo-se ao colega de trabalho evidentemente a me perguntar:

- Do que ele está falando?

Num tom que ele pudesse ouvir, eu disse a ela:

- Ele me contou que conhece tudo de aipim, e estendi-lhe uma cédula para pagar minha compra.

Ela olhou para mim fazendo careta, moveu a cabeça de um lado para o outro e gesticulou com a boca:

- Conhece nada não, é mentira. E pegou o dinheiro da minha mão.

- Ih, tá vendo aí ó, a sua colega falou que você não conhece coisa alguma de aipim; rindo, eu disse para o vendedor ouvir.

- Ela não sabe do que está falando, ele objetou, rindo também, à meia distância de nós.

Com isso, o riso correu frouxo; aí eu disse a ela, já na gozação:

- E me informou que trabalhou na roça por muito tempo.

Bastou para contaminar o ambiente, pois todos riram ruidosamente a partir de então, funcionários e clientes que mesmo não querendo ouviam a nossa conversa. Uma vez que a moça me estendia o troco, recebi o dinheiro e quase a gargalhar eu disse a todos:

- Valeu a mentira, pessoal, pelo menos eu me diverti. E vou na fé de agradar minha coroa.

Deixei a loja em polvorosa cheia de gente espirituosa num falatório sem igual e rindo a não acabar mais.

Moral da história: Jamais confie no vendedor, quem quer que seja ele, lembre-se que seu trabalho é vender os produtos, sempre, e do jeito que for: pretensamente, falsamente, mentirosamente, dificilmente honestamente. Entendeu? Mesmo?

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Dilucas ESCRITO POR Dilucas Autor
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