Adeus sem Trombeta
Aos poucos, vou me despedindo. Não como os que fazem alarde e arrastam multidões atrás de seus adeuses, mas como quem se esgueira pela lateral da existência, puxando a porta sem fazer ruído. Despeço-me, sim - com "s" mesmo, que me perdoem os puristas da língua, pois nesta hora derradeira, a gramática se curva ao sentimento.
Não trago comigo estandartes nem discursos, tampouco promessas de reencontro. Levo apenas o peso suave da memória e uma mala cheia de silêncios. Quero que minha partida seja serena, quase imperceptível, como aquelas chuvas miúdas que só os poetas notam.
A morte, essa senhora de passos leves e olhos insondáveis, me convida com um gesto. Não fala alto, não exige, apenas estende os braços. E eu, cansado das voltas que a vida dá sem me levar a lugar algum, penso: talvez seja este o abraço mais sincero de todos. Doloroso, sim, mas com certo calor de colo antigo, como se a eternidade tivesse, enfim, braços de mãe.
Falo isso a ti, leitor, que me lês entre uma distração e outra. Tu, que julgas saber o que é vida e temes o que chamas de fim. Pois te digo: a morte não chega de uma vez. Ela ensaia, ronda, sussurra. E quando vem, não arranca - embala.
Parto, portanto. Não me prendas com lamentos, nem me adornes com flores. Não me escrevas epitáfios. O melhor adeus é o que não se diz. Ficarei nas entrelinhas, onde a lembrança é mais viva e o tempo mais discreto. Talvez ali, entre um ponto final e o vazio que o sucede, ainda me encontres - ou, quem sabe, descubras que nunca fui embora.
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