Por que não ser um dominado convicto?
Uns o chamam de dominado. Medo da mulher, não tem; mas do castigo de Deus, caso conspurque os princípios éticos, morais e religiosos com o quais fora forjada sua escalada pessoal. Pauta sua vida, portanto, a partir de condutas decorosas, com o escopo de preservar, não somente, a placidez de seu casamento, como também a confortável paz interior, que o coloca em sintonia com o Criador do Céu e da Terra.
Frequentar uma festa de confraternização com a turma do trabalho é algo mais do que episódico. São muitas voltas, muitas explicações a conceder à família, de modo que se revela mais conveniente admitir um não desejo de contrariar a esposa perante os colegas de trabalho; afinal, ela o conhecera como um discípulo de Deus, inteiramente integrado às atividades de sua igreja. Por ser senhor de suas escolhas, um livre pensador, não atrelado às convenções e esteriótipos de uma sociedade machista, que vive a reboque das opiniões alheias, do parecer ser, não nega seus motivos de recusa aos reiterados convites e, quando solicitado seu comparecimento, pereptoriamente, afirma sua impossibilidade. Destarte, estoicamente, suporta todo o tipo de galhofa e, ainda, fornece inúmeras considerações para que elas sejam robustecidas.
Outro dia, quebrara a regra, vergando-se ao clamor dos amigos, com quem divide quase todos os dias úteis do ano. Foi ao um churrasco de final de ano na casa do seu chefe; a turma estava completa. Os homens e as mulheres com os respectivos cônjuges se reuniram na pérgola da piscina, num dia em que o sol oferecia um exuberante colorido às flores folhagens do vasto jardim. Ele, porém, desacompanhado da esposa que amamentava sua nutriz no aconchego do lar. Os convivas se portaram na justeza da etiqueta social até os efeitos etílicos libertarem os freios inibitórios do superego.
Conforme sói acontecer no final das pândegas, um começou a jogar o outro dentro da piscina. A alguns ainda se oportunizava a retirada do celular e da carteira do bolso. Enquanto isso o suposto “dominado”, intuindo a brevidade de sua vez, engatou uma marcha de força nas pernas para evadir-se do local o mais rápido que pudesse. Porém, o grupo ávido por lhe ver tal qual um pinto molhado, não se deteve a tempo de ouvi-lo rogar: não, minha gente! Não posso chegar a casa molhado! Não sabem da fera que teria de enfrentar! Ato contínuo, seu mau condicionamento físico, fizera-o estatelar-se no chão, ao modo de uma jaca madura. Sua vingança foi introduzir um palito de fósforo nos pneus dos carros dos amigos, ao que um deles recomendou ao outros que o deixasse desabafar, uma vez que dispunha de um compressor. Com vários arranhões, seu rumo foi à UNIMED - três dias de licença! A esposa, por sua vez, não conteve sua indignação: mas você é um tonto mesmo! Por que não se deixou jogar na água? Nada disso teria acontecido. Que mal lhe causaria um banho?!
Na verdade, vê-se que a esposa vela por sua saúde. Essa é a conclusão a que chega uma amiga ao abrir sua gaveta de trabalho à procura de um grampeador, e encontrar remédio para diabetes, hipertensão, diuréticos, analgésico, relaxante muscular, rinite, gastrite... Mas rapaz, o que é isso, companheiro? Um eu tomo pela manhã, dois depois do almoço, outro, duas vezes ao dia... Isso não seria hipocondria? De forma alguma, é um remédio para cada problema real e foram todos prescritos pelo médico – defendeu-se.
Contara ele que gosta de bebida alcoólica, de vez em quando, a fim de mitigar o stress com trabalho e criança pequena. Sua esposa, porém, o proíbe com veemência. Aliás, proibir não seria o caso, derrama mesmo todas as garrafas de bebida que encontra nos subterfúgios da casa no ralo da pia. Em certa ocasião, descobrira uma forma de driblar a vigilância contundente da mulher: tomava uma lata da Cronebier e aproveitava o seu recipiente para colocar cerveja com álcool: Skol, Bhrama, Antártica, Bohemia – a que encontrasse disponível no bar do clube aos domingos. Foi feliz nesse ardil, até que a filha, que aprendera a ler, de inopino, o delatou sem dimensionar consequências. A esposa pediu, então, para tomar um gole da latinha disfarçada de inocente, à guisa de uma “santinha do pau-oco”. Não houve jeito! Melhor teria sido se não houvesse dado azo a ter de purgar pelo descrédito da idolatrada esposa. Sua ressaca moral lhe destituíra em definitivo do desejo de, novamente, desacatar os ditames da alma-gêmea. Não seria justo que ela se preocupasse tanto com a sua saúde, e ele traísse seus desvelos de forma tão ímpia. “A mentira não se coaduna com aquele que se diz servo de Deus” – é o que ele afirma.
Sou um dominado convicto, convicto dos meus princípios! E, com isso, arrematou o traçado de seus propósitos existenciais.
Simone Moura e Mendes
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