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O CASAMENTO DE MARILDA

   Marilda só falava, vivia pensando em seu casamento, onze meses de preparação. Escolheu a melhor igreja, o vestido mais bonito, ótima costureira, sequer cogitou entregar os trabalhos para empresa especializada. Quase um ano vivendo de expectativa do casamento. Aqueles momentos de preparação, de organização e planejamento, faziam Marilda a mulher mais feliz do mundo. Parte do dinheiro que seu pai deixou de herança ela gastou na cerimônia e recepção. Recusava os palpites das amigas, o noivo José não era o que se pode chamar de trabalhador dedicado, tinha um emprego, uma sinecura na Secretaria de Educação, arranjado pelo primo deputado. Ajudou à Marilda em alguns preparativos. Quando podiam os noivos se grudavam em abraços e amassos, entretanto, a virgindade foi conservada, ela prometeu ao pai antes dele morrer, um pastor antiquado, viúvo, educou Marilda sozinho.

Afinal o dia do casamento, um bispo amigo fez uma bela pregação, Marilda se emocionou ao ouvir citar o pai, o casamento foi bonito como ela queria. Preparou-se durante onze meses para uma fugaz cerimônia, uma hora e vinte minutos.

Lua-de-mel em Salvador, José fez e aconteceu, ensinou pormenores, Marilda gostou bastante, uma semana e meia de amor, o noivo mostrou sabedoria e competência, a esposa era só felicidade.

Afinal a festa acabou. E agora José? Como acostumar-se à vida de casado? Fez muita força para ficar em casa sossegado, mas foi difícil se conter. Começou a frequentar os bares da vizinhança enquanto Marilda ensinava em dois colégios. José não ia ao trabalho, dizia ganhar pouco para trabalhar, contudo, adorava no final do mês ver depositado o pequeno salário. Outro emprego, nem pensar, desculpava ser funcionário público não podia assinar carteira. Essa vida de malandro era prevista, Marilda aceitou, foi prevenida durante o namoro e noivado.

Ela trabalhava dois turnos, teve que contratar uma jovem diarista para faxina e serviços gerais três vezes na semana. O almoço e o jantar o casal preparava no momento conveniente. Assim foram os primeiros dias de casamento.

Certa tarde houve um problema na escola, muita chuva, pingueiras, não havia condições de aulas, alunos e professores foram dispensados. Marilda ficou alegre, naquele dia faziam dois meses de casados. Pensou numa tarde de chuva e amor com José, o bom de cama. Foi ao supermercado, comprou um galeto na brasa, uma caixa de cerveja. Radiante faria uma surpresa a seu amado. Eram ainda três horas da tarde quando chegou, abriu a porta, percebeu vozes no quarto de empregada, colocou os pacotes na mesa, se aproximou devagar, ouviu o diálogo surpreendente.

- Seu Zé o senhor me prometeu um agrado, estou precisando, pelo menos 50 real, vá seu cara, eu não fiz o que você queria?

- Lindinalva entenda, é uma questão de princípio, eu não dou dinheiro à mulher, dou presente, essa calcinha vermelha não fui eu que dei? Você é gostosa, estou doidão por você, lhe dou presente, mas dinheiro não, é contra meus princípios, um homem de bem como eu tem que ter princípios.

Os dois seminus sentados na cama foram surpreendidos com a fúria de Marilda batendo com um rodo grosso em suas cabeças, gritando incontida.

- Pra fora de minha casa sua vagabunda! Cabra safado, vou mandar lhe capar!

José nem tentou se explicar, ao sentir a força irada da esposa, de cueca, escafedeu-se pelas portas do fundo, correu rua à fora, nunca teve coragem de voltar. A morena levou uma surra de rodo e panela. Marilda juntou os pertences de José no meio da rua, tocou fogo. Foi o assunto da semana na vizinhança.

Por orientação de uma advogada, a ex-esposa entrou com uma ação por danos morais, traição não é mais crime. Semana passada saiu a sentença, o juiz condenou José a pagar R$ 20 mil pelas despesas do casamento que Marilda bancou.

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Carlito Lima ESCRITO POR Carlito Lima Escritor
Maceió - AL

Membro desde Abril de 2010

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