O CARONA
Ontem, lá ia eu para o trabalho, no percurso de sempre, no meu velho e teimoso fusquinha. Velho porque já tem 30 anos e, convenhamos, para um carro é uma idade pra lá de avançada; e teimoso porque, apesar de me deixar no prego algumas vezes, o “potente” nunca desiste.
Sim, mas vamos ao que interessa. Estava eu indo ao trabalho e vejo num ponto de ônibus o irmão de João. Grande João, figura humana da melhor qualidade e um grande amigo meu, mas estava meio desaparecido. Parei a máquina e ofereci carona ao sujeito, que me pareceu meio assustado, mas logo o tranqüilizei; disse-lhe que era amigo do João, seu irmão mais velho e expliquei que talvez não tivesse me reconhecido porque só nos vimos uma vez, num barzinho, quando ele estava com seu irmão e eu cheguei. Perguntei-lhe se agora ele se lembrara de mim, o que foi confirmado, para me tirar daquela tremenda saia justa.
Bom, o cara entrou no fusquinha e começamos a papear. Comecei perguntando pelo João, afinal, fazia uns três anos que eu não o via, mas a resposta não foi o que eu esperava. Ele disse que seu irmão não estava bem, pois passava por sérias dificuldades; confidenciou que João, além de estar desempregado, estava com seu filho caçula muito doente, sem dinheiro pra hospital, nem remédios; aliás, acrescentou o carona, “nem comida tem na casa do meu irmão”.
Após o relato do irmão de João, seguiu-se aquele minuto terrível de silêncio, que sempre segue essas situações constrangedoras e parece muito mais tempo do que o real. E, nesse minuto secular, vários pensamentos se atropelavam nas vias congestionadas de meu cérebro e a primeira coisa que me ocorria era como a situação do João nada parecia com o futuro que ele traçara para si. Lembrei que na última vez que eu o vi, o Joca – era assim que lhe chamavam os mais chegados - estava até orgulhoso de seu desempenho na empresa e havia me falado, inclusive, que ganhara promoção: era chefe de setor. Pobre João, mas a vida é assim mesmo, cheia de altos e baixos. Agora, por exemplo, João estava por baixo.
Em seguida, o irmão de João quebrou o silêncio e, meio envergonhado, me falou. Olha, eu preciso contar uma coisa. Pois conte logo, falei, no que fui prontamente atendido. Disse-me o carona que João queria me pedir um dinheiro emprestado, mas estava com vergonha de me pedir pessoalmente, então passara a ele tal incumbência. Acrescentou que seu irmão sabia o meu trajeto e lhe orientara a ficar no ponto de ônibus onde eu o peguei, pois tinha certeza que eu lhe daria uma carona. “E era essa a estória”, concluiu o irmão caçula de João.
Minhas condições financeiras não eram das melhores, pensei; que o diga o meu fusquinha, mas comparando com a desgraça que caíra sobre João, minha vida era um paraíso e eu não podia deixá-lo na mão. Assim, parei o teimoso num 24 horas, saquei R$1.000,00, deixando minha conta quase raspada e entreguei a quantia ao irmão do meu amigo. Estava eu liso, mas orgulhoso de minha boa ação e, afinal, o João merecia o sacrifício.
Passaram-se uns dois meses desse ocorrido e, pra minha surpresa, um belo dia, encontrei João no estacionamento de um supermercado. E, pasmem, eu no velho fusquinha e João, todo prosa, num baita de um conversível importado, novinho em folha. Pensei que meu amigo houvesse ganhado na loteria, mas não foi nada disso. João era Diretor Executivo da empresa e também um dos sócios do grupo empresarial e conversa vai, conversa vem, descobri que o carona não era irmão de João coisa nenhuma. O verdadeiro irmão dele estava na Europa há dois anos, trabalhando numa filial da empresa de João. Pois é, eu havia me confundido e dei carona a um desconhecido e o desgraçado ainda levou meu suado dinheirinho.

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Comentários
Não se deve confiar nas pessoas mais como antigamente. De caloteiro o mundo tá cheio.