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Até que a morte os separem?

A amizade com sua irmã fora a oportunidade de conhecê-lo. Até descobrir que não se tratavam de um casal de namorados, os princípios éticos, morais e religiosos, contiveram seu olhar de terna cobiça naquele homem cortês, bem-humorado, com ar de fora do seu tempo. Não, não poderia querê-lo para si!

O insidioso destino fizera-lhe descobrir o ledo engano. Que salutar equívoco! Desde então, seu olhar passara a contemplá-lo como possibilidade e ao vê-lo seu coração já não trabalhava tão compassadamente. Todavia, como saber se haveria reciprocidade de sentimentos e intenções? Apesar de sua aparente brejeirice, de seu agir altaneiro e independente, não se atirava antes de ser cortejada. Não gostaria de se denotar alguém disponível. Nas relações afetivas, portava-se habitualmente do modo conservador, imaculável, resguardada pela passividade que se esperada nas mulheres.

A vida segue, contudo, o traçado do coração. Justificado ele pela amizade dela com sua irmã, através de respeitosos argumentos, convenceu-a a passar consigo o feriado de Nossa Senhora da Conceição em Salvador, na companhia do irmão, cunhada, de um velho amigo – o Sargento Pincel - e da própria irmã, eis que iriam assistir a uma luta de boxe – boxe?! Pensara ela. A programação não lhe parecia atrativa em desacordo com as esperanças que lhe brotaram no peito. Decidira doar o bilhete de ônibus já comprado para Recife e aceitar aquele alvissareiro convite.

A luta de boxe fora algo inusitado, não lamentável porém. Estivera próxima de algumas personalidades somente vistas pela televisão, a exemplo de Maguila, Pelé, Miguel de Oliveira. Certamente, não seriam elas os ícones a quem poderia assistir numa peça de teatro, novela televisa ou tratarem-se de algum gênio da música ou literatura; mas, inegavelmente, cada um notabilizara-se por sua própria luz. Ademais, fascinou-lhe passear suavemente o indicador numa cicatriz na sobrancelha esquerda de seu maior ídolo: ele, por quem suspirava – o não namorado de sua amiga. Que cicatriz é essa? Perguntara-lhe. Foi um corte quando criança. Sua voz tinha o ritmo de uma borboleta adejando a flor.

A prudência era atributo de ambos. Não se sabe se apenas pelo medo de se machucarem ou não. Porém a destreza do destino é implacável: houvera uma ocasião em que cada um daqueles viajantes teria um compromisso, exceto sua irmã acometida de uma amidalite; seria aquele o último dia de estada na terra de todos os santos. Convidaram-se então para o saboreio da brisa do mar num barzinho da Pituba. A conversa era auspiciosa, sem, no entanto, transparecer a inauguração de um idílio. Não, não, não! Seu hálito estava tão sujeito à sua olfação!

Liberta das amarras dos paradigmas sociais, ela armara-se de audácia para indagar-lhe se em algum momento já tivera interesse por si. Sem qualquer hesitação, respondera-lhe em tom altivo e seguro: não só tinha como tenho! Mas você é amiga de minha irmã e talvez um relacionamento fracassado entre nós balançasse os alicerces dessa amizade. Não era a resposta que ela esperava. Havia-lhe,ainda, algum fôlego para ir adiante: e se eu dissesse que também já tive algum interesse por você? Bem, aí a história muda de figura – assevera-lhe ele. E completou: você acha que teríamos algum futuro? Em tom faceiro, ela respondera-lhe: bem, daqui a uns dez anos, eu não sei! Ele, timidamente, perguntara-lhe: e como é que começa? Ah! Isso eu não sei – com o cunho da inocência que logo ele compuscaria com um beijo indefinível, para, um ano depois, sob o testemunho de Nossa Senhora da Conceição, ouvirem o Padre imperativamente dizer: “até que a morte os separe”! Não seria até morte separá-los. Ela não os separaria, pois sacramentaram uma aliança de amor para todas as vidas.

Permanecem unidos pelas mãos e pelo coração para o festejo das cincos estações primaveris da vida dele, com as bênçãos de Deus e a vigília de Nossa Senhora da Conceição, que o batizara!


Simone Moura e Mendes

www.simonemouramendes.com

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora

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