Omeletes ao óleo de peroba
“Tenha paciência com a doença crônica dela, até que a morte os separem, meu filho!” Rogara-lhe o sogro. Estonteado pela paixão, enlaçado pela honradez de seu caráter, não quis saber qual a natureza da doença. Podia ser diabetes, epilepsia... Tudo seria aplacado pelos cuidados médicos e pela força hercúlea de seu amor. Aquela mulher prendada na cozinha, que sabia cantar a “La Marseillaise” com voz de patativa, coser, bordar e tocar piano, era-lhe um emblema de perfeição, uma majestática obra divina.
Casou-se e os filhos foram sete, criados com um módico salário, administrado com sua peculiar parcimônia. Ainda incauto, a labilidade emocional da mulher o deixava intrigado. Os humores tristes eram-lhe angustiantes. Os estados eufóricos, dispendiosos. Na volta do trabalho se deparava com uma cristaleira nova disposta na sala ou alguma outra aquisição desavisada e desnecessária. Devolvia-as à loja. Ou então, encontrava a casa no mais tedioso vazio. Perguntava-se aonde havia ido sua família. Desesperado, até se acostumar com a recorrência desses fatos, tanto quanto possível, apelava para as possíveis informações dos vizinhos. Dois ou mais dias depois, chegava-lhe a notícia de que a esposa, à custa do sobrecarrego da filha mais velha, havia conduzido todos os filhos ao interior do Estado – sempre a um município diferente -, à causa de um ímpeto qualquer.
“Mulher, você quer estourar o seu velho: comprou dois chocolates fiados na venda numa só semana”. Força foi restringir-lhe o crédito na venda do Seu Manoel. A filha mais velha já casada e as imprecações permaneciam constantes. O seu amor original, contudo, jamais perdera o tônus; a palavra empenhada ao sogro revitalizava o vigor de sua alma; seus filhos, sim, o acalanto inexorável para os momentos reticentes. Logo viriam netos e mais netos, muitos netos – todos, declaradamente, admiradores incondicionais de sua grandeza espiritual. A avó não tinha culpa da doença, nem ele que sequer havia cogitado entender-se por enganado pela família dela.
Dia de sábado: dia da vingança (?). Era costume cozinhar a fim de que a família se reunisse, inclusive, a filha mais velha em recente vida de casada. Enquanto o marido cumpria o meio-expediente na Av. Dantas Barreto, fez o feijão tropeiro, o pimentão recheado, como de praxe. Como concluir o almoço com a feitura das omeletes, se o óleo havia acabado e o crédito na venda da esquina estava cortado? Mas, na janela em cima da pia descansava o óleo de peroba com que havia lustrado os móveis.
Mesa servida e todos a postos. Um dava uma garfada num pedaço da omelete e esperava o esboço de alguma reação, até chegar a vez do marido: “minha filha, que danado você colocou nessa carne que está travando?”. Sem cerimônia, chegou-lhe a resposta: “faltou óleo de cozinha, eu pus óleo de peroba, tanto faz mesmo!”.
Até hoje se fala que naquele dia o que se viu foi todo mundo virar cara-de-pau. O futuro de muitos foi ingressar na política. Por que será?
Simone Moura e Mendes
(Publicada em O Jornal, edição de 05/06/2012)
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