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Joaninha: uma desequilibrada da balança?

Diziam que sua obsessão por magreza rumava à anorexia. Não chegara lá, contudo. Conjecturavam acerca de o porquê de tanta preocupação com sua escultura. Uns falavam que não gostaria de tomar a forma rechonchuda de sua genitora; outros, com mais acerto, julgavam ser atributo de toda mulher sempre achar-se com sobrepeso e Joaninha apenas confirmava a regra.

Inobstante sua feroz rotina diária de trabalho e estudo, não abdicava Joaninha do exercício físico, mesmo que o terminasse em adiantada hora da noite ou o iniciasse com os primeiros raios solares, o que dependeria das alterações em seu biorritmo. “Oh! Mamãe, deixa dessa neura, a senhora não tem necessidade de tanto desgaste, seus ossos vão causar um acidente no Papai” – reiteradamente protestavam seus filhos. O esposo, por sua vez, era todo apelos.

Nada, todavia, nem ninguém conseguia dissuadi-la de seus hábitos. Além da contumácia em relação aos exercícios, alimentava-se de forma restrita e à base de carboidratos e alimentos integrais, já que abominava legumes e verduras.  Viciara-se, ademais, em coca-cola diet, depois substituída pela light e, por fim, pela zero, a ponto de ingerir em torno de quatro latas diariamente – e às vezes até mais. Acostumara-se com as tonturas, dores de cabeça e outros efeitos adversos que esse excesso lhe causava, os quais sofria em silêncio, a fim de não ser ainda mais importunada com as veementes cobranças da família. “Ora mamãe, a senhora vai acabar com um câncer no estômago advindo desse vício louco” – diziam-lhe os filhos, máxime, quando a flagravam subindo as escadas de casa com uma dessas latinhas escondida sob a blusa.

Em várias ocasiões, perdera peso além do recomendado pelas orientações médicas e seu manequim, chegara a variar de 40 a 44 – não menos de 40 em virtude do quadril largo. E, muito embora com a aparência classificada como esquálida por muitos, sentia-se feliz dentro das roupas folgadas. Numa dessas oportunidades, quando chegara ao ápice da magreza, Joaninha fizera uma viagem ao interior do seu Estado e na residência dos tios, enquanto todos estavam festivamente reunidos, trancafiara-se sorrateiramente no quarto de casal a fim de cumprir seu compromisso diário com o exercício. Conquanto se houvesse esquecido de levar o calçado apropriado, descalça caminhara sobre a esteira elétrica por cerca de uma hora. Sentia os pés queimando devido à elevação da temperatura da lona, mas sua obstinação a compelia a perseverar até o fim. Concluída a insana missão, o pisar no chão ficara inviabilizado em decorrência da enorme bolha que se formara em ambos os pés. Essa consequência não podia ser escondida dos familiares, que há muito já indagavam acerca do paradeiro de Joaninha.  As bolhas de líquido intersticial foram tratadas pela prima médica, não sem lhe fazer ouvir merecidas censuras.

Joaninha findara por largar não somente o vício da coca-cola, como também o da prática de qualquer atividade física. Perdera o élan, inopinadamente, sem que nem ela mesma pudesse compreender suas tão antagônicas condutas. No seu inconsciente repousaria a máxima: se não pode ser oitenta, também não pode ser cinqüenta, optaria, pois, pelo oito. Ou seja: para ela, não existe meio termo. Seria isso característica dos librianos ou seria Joaninha uma balança desequilibrada?

Na verdade, Joaninha é uma desequilibrada da balança.

Simone Moura e Mendes

(Publicada em O Jornal, edição de 07/07/2012)

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
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