Amor à primeira audição
Buscar uma resposta racional para o amor é o caminho mais improvável para apreendê-lo. O amor é uma verdade axiomática, ou seja, evidente por si mesma. Não enseja discussões, encerra-se num sentir recíproco, num querer mútuo, num aconchego existencial, numa paz inexpugnável... Quem já passou pela experiência de encontrar sua alma gêmea, sua cara-metade, seu porto-seguro, pode testemunhar o quanto isso é insofismável.
Fala-se em amor à primeira vista. Esse, não. Foi amor à primeira audição!
Senão, veja-se. Seu amigo trabalhava numa rádio famosa de Maceió. Pediu-lhe guarida naquele dia, que prometia ser um dos mais demandados do Programa “Love is Love”, pois os fãs que conseguissem ligar estariam concorrendo a um ingresso ao show de Lulu Santos, e, mais que isso, uma visita ao seu camarim. No auge da popularidade, frequentador dos primeiros lugares das paradas de sucesso, era natural que muitos sonhassem em surfar na “onda” do artista. Aquela seria uma oportunidade ímpar para os fãs que acreditavam que “nada do que foi será...”. Para ele, o radialista ad hoc, uma brincadeira, uma experiência diferente, além de que não poderia recusar um pedido de SOS daquele amigo, com quem mantinha estreito e cúmplice laço.
O telefone não parava de tocar. O amigo numa linha e ele em outra. Fez-se receptor de um sem número de vozes femininas, sem que quaisquer delas lhe houvessem impactado o coração. Na sensação de que estava realizando um sonho de tantas entusiasmadas fãs, trabalhava com afinco, transbordante em simpatia. Uma, contudo, distinguira-se... Causara-lhe frenesi, sobressaltos. Uma voz macia, terna... “Alô?”. “Como é seu nome? – chamo-me Rosa. “Onde você mora? Estuda onde? Que lugares frequenta?” – tudo com muito esforço para parecer natural. Ela, por sua vez, menina recatada, pudica e criada na ortodoxia das famílias mais tradicionais das Alagoas, entendera, de plano, que as perguntas eram ultra petita. “Que lhe interessa saber da minha vida?”. “Saiba, rapaz que a mim, somente o ingresso do show do Lulu” – “tum, tum, tum...”
“Ei, meu amigo, é prudente deixar essa menina em paz! Eu a conheço. O nome dela é Rosinha, mas não é para o seu jardim.” Ciente daquela sentença improcedente, sabia que a vida lhe concederia o direito de apelar. Tinha de ser ágil para não perder o prazo. Passara a vigiar todos os passos de Rosinha. A ela, por outro lado, chegava aos ouvidos, por amigas e colegas – muitas destas, com interesses conflitantes - que ele, a quem não pôde deixar de perceber, era um “Dom Juan” inveterado. Foi quando passara a esnobar-lhe; e ele, com os brios já bastante corroídos, foi para o revide. Sempre que se encontravam, então, farpas eram trocadas às escancaras.
Certa feita, fazendo-se um circunstante transeunte, em plagas que não eram as suas, presenciara os rogos de Rosinha, antes de entrar no carro da família, a fim de que os pais a deixassem passar o fim de semana sozinha em casa, enquanto todos estariam na praia. Seus motivos, porém, eram inconfessáveis aos pais: ir, na companhia da irmã e do cunhado, à Middô. Uma voz familiar fê-la emudecer: “desculpem me meter em assunto de família, mas acho que têm toda a razão em não deixar Rosinha em casa, eis que estará bem mais protegida com os senhores no final de semana”. Incontinenti, fora receptáculo da devoção dos pais da menina – tudo que ele queria para reinvestir na irrenunciável conquista. Com os olhos crispados, os punhos cerrados e os dentes trincados, Rosinha voltou-se a ele: “quem você pensa que é, afinal?”. “Apenas alguém que se preocupa com a segurança de uma moça de família, de uma jovem donzela”.
Sob o acólito dos pais, os cortejos do jovem não tardaram a encontrar ressonância nas fibras mais profundas do coração da Rosa. A seiva daquela paixão foi-lhe exaltando o viço, a cor, o perfume... Uma Rosa e um cravo produziram três lindos botões a partir de um amor à primeira audição.
Simone Moura e Mendes
(Crônica publicada em O Jornal, edição de 20/03/2012)
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