As flores do mal
A beleza, que se apresenta de forma concreta ou abstrata, é muitas vezes como as rosas. As rosas, com suas pétalas sinestésicas, tão deslumbrantes, de cheiro inebriante, se comestíveis, de paladar extraordinário, e que quando juntas, emitem um zunido calmante.
Algumas vezes tocá-las dói, machuca! É que essas belas flores possuem espinhos. É o lado yin e yang dessas plantas. A forma como enxergamos é muito importante. Alguns ficam abismados com suas coloridas ou cândidas pétalas. Outros, atônitos de medo dos acúleos em seu caule.
“Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido”, escreveu Rubem Alves. É mesmo muito difícil decifrar a Rosa se nos ativer em perceber apenas um dos lados. O bem e o mal estão no mesmo lugar, aflora aquele que for mais bem alimentado. É preciso aprender a enxergá-los.
Um dia, deixei-me trair pelos meus sentidos. É tão fácil optar pelo belo! Dediquei à minha Rosa os mais fabulosos adjetivos. Alimentei tanto o seu ego, que ela sentiu-se autossuficiente o bastante para não precisar de mim. Eu estava ali, o tempo todo, embriagada por sua perfeição. Nem precisava cativar-me, eu estaria lá, devotamente lá!
Parecia-lhe tão insignificante o meu carinho. A minha Rosa perfeita começou então a ferir. Seus espinhos, cada vez maiores, nutrido por seu egocentrismo. Os valores etnocêntricos não lhe permitiam mais compreender as diferenças. Faltava-nos dialética. Seu monologismo deixava-me perplexa, e passivamente assistia o deleite de sua vaidade.
A paixão consumia-me os sentidos num vazio tépido. Nem era mais solicitude. Aquela devoção um tanto erótica esvaindo-se cotidianamente... Tudo era mais interessante, não havia motivo para a Rosa preocupar-se com isso.
Eis que um dia, deixou vestígios de seus espinhos na minha pele. Ah, Rosa tão linda, por que me feriu assim? A dor passou, a ferida sarou, mas deixaste tua marca. E sempre que a via, sentia uma lembrança a torturar meus pensamentos.
Essas cismas fizeram turvar minha visão. Com olhos de grau aumentado, enxerguei espinhos enormes nela. Dessa vez, imbuí-me de um medo ferrenho. Comecei a evitá-la...
Afastei-me, mas ela não notou. Um dia, cansada de admirar-se, procurou-me. Agora, já não adiantava mais. Com a visão turvada de mágoa, enxerguei-a tão feia que quase não reconheci.
Perguntou-me então: “por que tu que me amavas tanto, hoje não me procura mais?” Refleti muito naquela indagação.
Respondi: estavas ocupada demais consigo mesma e eu, caríssima flor, só via o que eu queria ver. Hoje, se pudéssemos consertar o passado e apagar as más lembranças, admiraria a tua beleza, mas sobretudo, aceitaria os teus defeitos.
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